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Meu Lixo me representa


Ricardo Daumas

Sócio-diretor da Solu9 e Publisher da Plataforma de Sustentabilidade “Há Limites”

Marco tem seu próprio negócio no promissor segmento de reciclagem, estabelecido numa esquina do bairro do Alto da Boa vista, em São Paulo. Seria simplista chamá-lo de catador, não é isso, ou não é só isso. É um “business” complexo, que envolve relacionamento com a vizinhança, tino comercial, soluções de logística, “trade” e uma certa força nos braços e nas pernas.


Eu o vejo lá todos os dias com sua carrocinha, menos às quartas-feiras, quando ele “cuida de outros assuntos”. A vizinhança já o conhece, e deixa com ele toda sorte de coisa que em sua casa perdeu o uso. Já vi eletrodomésticos usados, enfeites, bibelôs, telefones, livros e muitos eletrônicos daqueles que ficam ultrapassados rápido, e você guarda na gaveta por não se conformar por terem perdido o valor tão rápido. Se achar que vale a pena, expõe ali mesmo na calçada e repassa para algum interessado. Se não, entra na carrocinha e vai para a reciclagem em um ou dois depósitos na região, particulares. Além dos eletrônicos e demais rejeitos domésticos, há sempre uma montanha de papelão, plástico, metais (ferro e latas, principalmente) e vidro, e ali mesmo ele faz uma separação prévia. Uma parte já vem de prédios vizinhos um pouco mais organizados, que além de isolar do lixo orgânico já tem depósitos separados para pelo menos estas 4 grandes categorias (os PPMVs), e para nós e para o Marco já seria um grande avanço se todos assim o fizessem, mas na verdade é o mínimo. Há muito mais o que separar até que esse resíduo chegue à condição de ser reaproveitado numa escala produtiva e saudável para todo mundo..


LIXO “ZERO”.


É cada vez mais comum ouvirmos falar em metas de “Carbono zero” ou “neutralização das emissões de carbono”, o que não é uma prática tão simples de entender, mas pensar em neutralizar a produção do seu próprio lixo está um pouco mais fácil de assimilar, pelo menos com se pode fazer para chegar a isso.

A cidade de Kamikatsu no Japão é frequentemente mencionada como uma referência na busca pela “neutralização” dos resíduos produzidos pela vida e pelo consumo de seus cidadãos, um esforço que começou já faz mais de 20 anos, e entre outras ações estimulou sua população a separar seu lixo em 22 categorias. Parece um exagero, mas hoje são 45 categorias, e estima-se que o índice de reciclagem já passou dos 80%. A meta é chegar aos 100%. Não é fácil, não é sem esforço nem com adesão espontânea e voluntária, mas é necessário. Precisa-se de um processo integrado entre o poder público, as pessoas e as empresas, e compreender uma coisa bem simples que é a adoção da prática dos 3 Rs: reduzir, reaproveitar e reciclar. Tudo fica mais fácil quando toda cadeia colabora com o processo, e isso ajuda a reduzir as tais “categorias”. Numa garrafa pet por exemplo, você pode ter até 3 tipos de plásticos diferentes e sujeitos a distintos processos de reciclagem (a garrafa em si, a tampinha e o rótulo), além de eventualmente papel e o processo de lavagem. Se a indústria reduz isso, se o consumidor consome de outra maneira e se a gestão pública organiza os pontos de coleta e distribuição, a chance desse material durar mais tempo em uso e não ir parar num lixão ou no oceano, aumenta muito, e é disso que estamos falando.


QUANDO MENOS É MELHOR


Todo o ano nós produzimos no mundo mais ou menos 80 milhões de toneladas de plásticos de todos os tipos, e o volume cresce. Apenas 14% desse total é reciclado, outros 14% são incinerados (num processo sabidamente nocivo à saúde..) e o resto, mais de 70%, vai para o mar ou para um aterro “sanitário”, e vai levar séculos para se decompor, e esse é o prejuízo. Estamos tirando da natureza e estamos devolvendo material imprestável, como se estivéssemos tapando os buracos das nossas próprias casas com areia. Se alguém acha que é pouco, é porque está desinformado ou não viveu o suficiente e não presenciou um mundo não apenas mais limpo, mas também mais farto, e muito mais barato. O plástico e tudo mais está ocupando o lugar das terras e dos mares, de maneira irreversível, e assustadora. O plástico assusta mais porque não se degrada, ou se degrada muito lentamente. As populações de peixes estão diminuindo drasticamente, e estão (todas) contaminadas por micro plástico, assim como a terra, que deveria produzir nosso alimento. Os recursos naturais estão sendo ocupados, degradados e com isso produzir alimento é cada vez mais caro, menos saudável, e mais perigoso. Nos faz avançar cada vez mais sobre as reservas naturais e se soma a outros maus hábitos como a pesca predatória, a agropecuária intensiva e agressiva, o derrame de dejetos nos rios. O assunto é longo, mas vamos falar dele com mais frequência. É importante que cada um entenda um pouco mais onde estão os problemas e as consequências para a nossa qualidade de vida. Temos que saber o que e de quem cobrar providências, e o que podemos nós fazer para também colaborar. Um bom começo é pensar em como (e quanto...) consumir, como reutilizar e como descartar. O desafio de produzir tudo para 7 bilhões de pessoas é inegavelmente degradante, mas o consumo compulsivo é a principal matriz disso. A solução começa em nós.


SOLUÇÃO E MEIO DE VIDA


A Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável (MNCR) estima que em torno de 800.00 pessoas no Brasil vivem e sustentam suas famílias com essa atividade. Empresas estão estabelecidas para reciclagem de eletrônicos, papel, vidro, plástico e principalmente latas e metais em geral, que são mais valiosos e com processos mais rentáveis, mas ainda é muito pouco, pouco mais de 2% do que se poderia. Há boas iniciativas em andamento, como a meta de extinção dos lixões e a regulamentação da geração de metano a partir dos depósitos de lixo orgânico, e felizmente também há o Marco, e tantos outros brasileiros que vivem do que consumimos e descartamos. Produzimos muito lixo, descartamos mal e reciclamos pouco, e o que reciclamos é principalmente em função da necessidade de quem fez disso um meio de vida, de um jeito nada fácil. Tem que melhorar rápido, e depende em grande parte de nós. Vamos falar mais disso daqui pra frente. As ilhas de plástico que navegam pelos oceanos já são monitoradas por satélite tamanho o risco que representam, e montanhas de lixo urbano já fazem parte da paisagem periférica de muitas cidades. Nós as ignoramos, pois na maioria das vezes não estão no nosso caminho, mas podem estar a qualquer momento. Melhor começar a agir antes que aconteça.


Boa semana gente...

@ser.mais.sustentável

www.halimites.com.br

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