Aspirinas para dor de estômago?
- Ricardo Daumas
- 11 de mai. de 2016
- 3 min de leitura

A discussão sobre o suposto insucesso na adoção dos livros digitais em nosso mercado é farta em argumentos, mas frágil no encaminhamento de soluções.
Gosto de pensar que para que as pessoas adquiram habilidade em identificar as causas de um problema é recomendável praticar isso tentando entender os reais fatores de sucesso nos projetos que dão certo, mas nós não temos esse hábito, no máximo celebramos pois celebrar está em qualquer manual de gestão, fazer um exercício honesto de leitura dos fatos não costuma estar.
O artigo anexado em link ( ao fim do texto) menciona vários fatores relevantes e verdadeiros nessa recente história da literatura digital no Brasil, mas para entendermos de vez isso precisamos resgatar e aceitar alguns fatos. O primeiro é que o mercado tem medo de mudanças, qualquer mercado, e os segmentos diretamente afetados pela tecnologia digital foram os que mais se deram a esse enfrentamento nos últimos anos e mesmo décadas. Por conta disso, essas mudanças nunca se dão de dentro pra fora, ou seja, um elemento externo é o fator de mudança, uma nova tecnologia gerando novos hábitos, novas facilidades e capaz de arrebatar consumidores sem qualquer compromisso com os players existentes. Vou me abster de exemplos, eles são conhecidos de todos nós.
Outro fato importante para se buscar respostas verdadeiras e em especial no mercado editorial, se dá na observação do histórico da gigante Global Amazon. Aprofunde-se na sua estratégia de lançamento dos livros digitais como uma solução pronta, completa e eficiente num mercado ativo de leitores, mas atenha-se ao fato de que naquele momento ela já era um player majoritário no mercado de livros físicos dos EUA e também de boa parte do mundo. Juntando competência na oferta de produtos eficientes, sedutores e vantajosos para os leitores com um poder de negociação arrasador (dado que era a principal cliente da maioria das editoras...), avançou com velocidade na migração sem dar espaço para grandes discussões. Não que não fossem pertinentes, o modelo de negócios era vender as versões digitais com preço substancialmente menor que as impressas e proporcionar um repasse também menor às editoras, mas a ação foi impositiva. Ela criou as condições e fez o mercado, sem a necessidade de negociar em demasia a aceitação de quem quer que fosse, e deu certo. A prática se estabeleceu e criou um novo mercado, ainda que nem todos se adaptassem bem a isso, mas isso acontece mesmo.
Pulando para o Brasil, e sem avançar em detalhes que gerem melindres nos nossos valorosos players , o quadro foi outro. Os editores são conservadores como qualquer mercado em qualquer lugar do mundo, e a primeira conta era simples. Trocar receita de preço de capa por uma menor tanto em valor final quanto na participação das vendas como aconteceu em todo o mundo não animava ninguém, e aqui a Amazon não tinha o mesmo poder de fogo. Acabaram se organizando para enfrentar a proposta “leonina” que lhes seria imposta, mas não criaram soluções alternativas. Os livreiros locais por sua vez, erraram feio na estratégia. Ao invés de tomarem a frente e proporem condições mais afáveis e capazes de encorajar seus antigos parceiros editores abdicaram disso, por razões várias, e embarcaram em estratégia muito semelhante à gigante mundial. Para quem tem o mínimo de atenção com histórias de sucesso vai ser difícil lembrar de um vencedor que tenha derrotado seu maior inimigo usando exatamente as mesmas armas no seu campo de batalha, é pedir para perder, ou fracassar junto.
Portanto, antes de apontar soluções e remédios, encaremos os fatos. Há leitores, há mercado e ainda há muito o que crescer nesse país carente de tudo (esqueçam a crise, ela passa..) , mas falta visão da complexidade do mercado regionalmente, sensibilidade e soluções criativas, simples, e que aproximem os vendedores dos produtores, dos leitores e dos autores. Ela virá, talvez em formatos novos e mais abrangentes que os atuais E-readers , mas virá em breve, e já se desenha, para desatar os nós que a truculência dos livreiros e a inibição dos editores produziu. Até lá, tomaremos aspirinas inúteis, e nos queixaremos de eterna azia de soluções que trazem conforto, mas não encantam ninguém.
http://coevo.org/midia/panorama-e-book-brasil/ - "O e-book é uma página travada no Brasil"
.



Comentários